Thursday 24 January 2008

O fim da pescaria...


Para quem só apanhou este texto aqui, peço para lerem primeiro os posts com os seguintes títulos:


- Uma pescaria incompleta...; e
- O que falta na pescaria...

Agora sim poderão ler o que aqui está.


(…)

Para ela o mundo parara e só o contacto visual com Carlos a poderia “ressuscitar”. Tinha mergulhado num estado letárgico. Precisava de paz.

A paz em Maria era muitas vezes personificada pela sua veia poética, pela maneira como muitas vezes se agarrava à sua guitarra e enquanto dedilhava umas quantas notas deixava-se levar não só pela música mas também pela sua voz.

Cantarolava baixinho junto à janela, com uma voz que parecia vinda de um anjo, uma música que ela própria tinha escrito antes de Carlos partir para esta pescaria. Recorda-se muito bem desta canção até porque a escreveu com carinho e a cantou a Carlos antes de este sair de casa.

A letra dizia assim:

“ Não vás ao mar Carlos!

O mar está bravo Carlos!

Podes morrer!”

Era esta capacidade poética que dava muitas vezes força a Maria, era esta capacidade poética que a permitia ver a vida de uma maneira mais suave do que aquela que ela realmente era.

O sofrimento era muito. As saudades ainda mais.

O estado de “hibernação” mental era de tal proporção que nem deu pelo choro intenso que se ouvia. Seria um pronuncio que estivera para vir? Preferia acreditar que não.

Dirigiu-se para o quarto e lá estava ele, o fruto da relação entre os dois, Luís de seu nome, uma criança de apenas um ano de idade e que ainda mal sabia andar ou sequer comunicar, mas já dizia o suficiente para Carlos e Maria chorarem de alegria perante tamanha bênção que a vida lhes tinha dado. Ouvir “pai” e “mãe” da boca de um ser vivo, quando a nosso respeito, é sem sombra de dúvidas algo maravilhoso. Carlos e Maria sabiam o quão maravilhoso era ter essa bênção.

Agarrou na criança e levou-o para a sala onde o sentou num banquinho de bebé à mesa de jantar. Deu-lhe o pequeno-almoço, levou-o à casa-de-banho onde lhe mudou a fralda, aproveitando para lhe efectuar toda a sua higiene privada, que nestas idades tem muito pouco de privado, e deixou-o a brincar, já de volta à sala, ao som de uns desenhos animados que passavam na televisão.

Maria naquele dia não estava para brincadeiras e quanto mais olhava para o pequeno Luís, mais se lembrava de Carlos.

Para acalmar a dor não parava de cantarolar baixinho a primeira coisa que lhe vinha à cabeça.

Sentou-se com uma folha de papel à frente e uma caneta na mão. Começou a escrever por impulso sem pensar muito naquilo que saía “impresso” na folha.

“Carlos, meu amor!

Onde estás que aqui estou,

sozinha mas à espera,

desesperada mas não perdida!

Onde estás que vou-te buscar,

fala comigo, por favor!

Oh, meu Deus porque tudo é assim,

tão difícil e solitário!

Se o perdi dá-me força,

dá-me força para acreditar,

dá-me força para… para…”

Neste momento saltou da cadeira e avançou para o seu quarto a passos largos, ignorando Luís que ficou a olhar para a mãe assustado.

Chegada ao quarto sentou-se por momentos na cama com um olhar pensativo, um olhar de caso. Baixou-se ligeiramente e, estendendo a mão por debaixo da cama, remexeu ligeiramente, e, ao retomar a posição inicial, tinha agora uma revista na mão.

A revista tinha o título: “Sou idoso e com orgulho”. Era uma revista, como o título deixava transparecer, sobre o orgulho em ser idoso, tinha também notícias sobre novos aparelhos auditivos, ranking de lares, cuidados a ter nas mudanças de fraldas para idosos, etc. Como qualquer boa revista tinha um artigo dedicado ao top 3 dos idosos do último mês. Este ranking englobava os idosos de todo o país e o ranking era feito com base em três grandes critérios: simpatia, higiene e estado de senilidade. Aparecer naquele ranking era o mesmo que dizer que ainda não se era velho o suficiente, apesar de por algum motivo alguém os ter posto num lar. Escusado será dizer que nas notas relativas aos três primeiros classificados havia uma fotografia de cada um bem como o lar em que se encontravam.

Aquela revista já tinha dois meses mas Maria guardou-a com muito cuidado até porque, naquele mês, dois dos idosos estavam num lar relativamente próximo da vila onde Maria vivia.

Maria fechou a revista ao seu colo. Ainda sentada, deixou-se cair ligeiramente para trás, apoiando-se com a palma das mãos na cama. Pensava. Suspirava. Pensava. Suspirava. Não exactamente nesta mesma ordem mas pensou muito e suspirou, também muito.

Levantou-se e seguiu muito devagarinho em direcção à sala como que anestesiada pela ideia que lhe passou pela cabeça no momento em que escrevia os seus desabafos.

Chegada à sala, olhou pela janela e nada. Nem um sinal de vida. Olhou para o Luís e viu que este adormecera naquele suposto instante em que esteve no quarto.

Aproveitando que parecia tudo ter parado à sua volta, saiu de casa, meteu-se na bicicleta e partiu à aventura. Primeira paragem, esteticista “Marlineide” onde depilou as pernas pela primeira vez na sua vida. Quem olhava para ela não se apercebia até porque tinha um estilo nórdico, tirando ser morena. Foi mais uma necessidade de fazer algo diferente e que muitos idosos já faziam.

Voltou para a bicicleta, já de pernas “limpas”, e pedalou como se não houvesse amanhã. Passou vales, colinas e estava finalmente numa estrada alcatroada. Seguiu mais um pouco e deparou-se com um edifício que reconhecera depois de o ter visto uns minutos antes em sua casa. “Lar Daqui Não Passa”.

Chegara.

Saiu da bicicleta mas não a largou. Olhava em volta na esperança que ninguém conhecido por ali andasse. Sentia-se a trair os seus sentimentos mas mesmo quando Carlos estava em casa, Maria sofria por conhecer o Sr. Juvenal e o Sr. Amílcar. Não era um sentimento novo ou uma fuga para o abismo. Era apenas um acto de coragem no seguimento do que o seu coração lhe pedia.

Precisava conhecer os dois idosos nomeados para o top 3 da Revista de Novembro de 2007.

Largou a bicicleta junto à porta e tocou à campainha do Lar.

Ninguém respondeu pelo que tocou novamente, ouvindo-se do outro lado: “Já vai!!!! Ai a porra que estamos com pressas!”.

Ouvindo o som do destrancar da porta, Maria sentiu a boca secar instantaneamente pelos nervos da situação. Ao ver a porta abrir suavemente, Maria deparou-se com uma senhora jovem, bonita, de cabelo claro e ligeiramente abaixo dos ombros, uma postura simpática e cativante que lhe disse: “O que é que queres a um Domingo e depois da hora das visitas?”.

Maria não sabia o que dizer. Os nervos bloquearam-na e só balbuciava sons sem qualquer nexo, deixando a senhora prestes a fechar-lhe a porta na cara por achar estar a ser alvo de uma brincadeira de mau gosto até que Maria foi capaz de dizer a seguinte frase: “Gostava de ver o Sr. Juvenal Matias e o Sr. Amílcar Lopes. Isso mesmo, Juvenal Matias e Amílcar Cabral.”. A senhora, num ar meio espantado olhou para ela e perguntou-lhe se ela por acaso os conhecia e caso os conhecesse porque é que não tinha vindo à hora das visitas e porque é que era a primeira vez que a via por ali.

Maria estava sem saber o que haveria de dizer. Não podia dizer ser prima porque se fosse prima de um, como poderia conhecer o outro? A segunda ideia que lhe veio à cabeça saiu em voz alta: “Sou da revista “Sou idoso e com orgulho” e gostaria de falar novamente com os nossos campeões!”. “Campeões uma ova, respondeu a funcionária!” adicionando logo de seguida, “já te apanhei a tanga filha porque esses dois são invenções nossas. Não existem. Arranjámos fotos de gajos bons em revistas estrangeiras, cortámos, e mandámos para a vossa revista a dizer que eram velhos exemplares. Sabes porque é tanga? Porque vos pagámos para vocês não nos virem chatear. Capiche?” (dito desta maneira)

Maria sentia os sonhos desmoronarem-se um a um. Primeiro ao sentir que Carlos desaparecera e agora tinha percebido que afinal de contas o Sr. Juvenal e o Sr. Amílcar também não passavam de uma mera ilusão…

Pobre vida a de Maria.

Entretanto em pleno alto mar.

“Carlos, não te atires pá!!!”, “não faças isso!!!”, “não te desgraces!!!”, eram algumas das coisas que se gritavam naquela embarcação “estacionada” em pleno alto mar.

Todos olhavam para Carlos na proa do barco, agarrado já pelo lado de fora, enquanto este admirava Gisberta Suzeta, uma baleia azul, de elevado porte mas com uma sensualidade fora do comum até mesmo para uma baleia. Carlos apenas dizia: “não me parem meus caros amigos e companheiros, estou apaixonado como nunca estive! Vejam-me esta graciosidade! Quando chegarem avisem a Maria e estou certo que ela compreenderá!”.

Enquanto Carlos dizia isto, os restantes pescadores olhavam uns para os outros incrédulos com o que estavam a presenciar. Marco, com um certo receio afirmou, “eu comi o mesmo que ele. Será que foi da comida? Não me sinto muito bem!”.

Disto isto, Carlos desapareceu. Acabara de saltar.

Correram todos para a proa do barco e viram Carlos em cima da Gisberta. Carlos mexia-se compulsivamente em cima da baleia na esperança que ela o sentisse. Acariciava-a, beijava-a, glup glup glup, de volta à superfície continuava a beija-la, e a ter outras demonstrações do muito amor que sentia.

Se fosse possível tirar uma fotografia naquele momento o meu voto seria claramente para se tirar uma fotografia aos infelizes que do barco viam aquele espectáculo. A incredulidade estava estampada na cara de cada um.

Chegara o momento. Carlos virou-se para trás e gritou: “Pessoal, nunca vos esquecerei! Expliquem à Maria e ao Luís por favor! Eles compreenderão! Vou andando com a Gisberta porque está a ficar tarde!” e, como que num golpe de magia, Gisberta dá um coice com a sua enorme cauda e desaparecem os dois.

Ficaram todos a olhar para o mar durante uns bons quinze minutos até que viram Carlos a boiar em pleno oceano, já sem vida, tal a temperatura gelada a que o corpo chegou e à quantidade de água que os pulmões tinham.

Todos chegaram à conclusão que a Maria nunca iria acreditar na história da Gisberta pelo que pensaram numa maneira de solucionar o problema com algo bem mais viável e que levasse a Maria a reagir de uma maneira mais positiva perante a vida.

Concordaram todos em cortar o pénis ao Carlos e dizer à Maria que ele, durante aqueles dias isolado e só com homens em pleno alto mar, quisera mudar de sexo. O seu nome passou a ser Odete Santos.

Estavam todos orgulhosos da brilhante ideia. Um deles inclusivamente referia: “Isto podia mesmo acontecer. Eu tenho um primo na Marinha que disse ter visto uma coisa assim, a diferença é que o infeliz morreu de lhe terem cortado o pénis”.

(Uns dias mais tarde)

Maria não se conseguia refazer do choque que a vida lhe trouxera. Tudo parecia sem lógica ou nexo. Nada tinha mais razão de ser.

Carlos não regressara.

Ao olhar para Luís, como que num acto de esperança e rejuvenescimento, Maria disse: “O Carlos está personificado em ti, meu querido Luís… como tal anda jantar fora e pagas tu!”

Assim foi…

3 comments:

Belinha said...

Grande imaginação!!! Mas que linda história de amor ...pena só ser 5' e carlos vs baleia azul!
Creio que para a próxima nao devia ser assim, podias tipo arranjar um gajo bom para a maria que podia conhece-lo na altura q voltava para casa e espalhava-se na bike e o gajo bom aparecia no seu porche e ajudava a pobre criatura e puff fez-se o chocapic ...ah nao é mais ficavam felizes para sempre! para o carlos acho que podias-lhe oferecer um escafandro para ele poder ter direito a mais uns minutos de amor com a baleia e depois morria de doença de descompressão ou algo assim lolololol

Anonymous said...

Só tu, pedrinho, para escreveres uma coisa estas....:)
***M.

Anonymous said...

*destas.
saudades tuas!